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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Clássicos em Quadrinhos


Publicado originalmente por Bruno Dorigatti em 17/08/2007.

Moda ou nicho crescente, que chegou para se fixar no mercado? As adaptações de clássicos da literatura brasileira para histórias em quadrinhos dão o que falar. E cativam leitores mais jovens.

Nas livrarias circulam hoje, em quadrinhos, alguns dos grandes clássicos da literatura brasileira. Movimento recente, da migração das histórias em quadrinhos das bancas para as livrarias, para alguns, representa um novo fôlego para a chamada nona arte. Outros, porém, acreditam que não passa de moda passageira. O autor ainda é mal remunerado, dada a quantidade de gente fazendo quadrinhos, e o pagamento pelos trabalhos não justifica a dor de cabeça. Fato é que excelentes álbuns vêm aparecendo, caso da adaptação de "O alienista", conto de Machado de Assis, pelos irmãos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Ba, responsáveis pelo blog 10 Pãezinhos. Lançado pela Agir, todo em tons de sépia, o álbum recria a imaginária cidade fluminense de Itaguaí, onde o Dr. Simão Bacamarte aplicou suas teorias sobre a patologia cerebral. Neste caso, a editora procurou os irmãos para adaptar uma obra de um escritor brasileiro, e a escolha do autor ficou por conta deles. "A editora só determinou o número de páginas. O resto, nós decidimos. O mais importante é pensar que o ritmo de leitura é diferente em prosa e em quadrinhos, é preciso decidir o que sai e o que fica para manter o ritmo de leitura que você quer", argumenta Fábio. E acrescenta: "O mais difícil é criar uma obra com uma cara própria, que mantenha a 'voz' do autor original, mas que tenha todas as qualidades do novo veículo. A adaptação deve ter cara de original, criando um produto completo e deixando o leitor com 'gostinho de quero mais', mais do autor original, e mais dos autores que fizeram a adaptação".

Outro projeto interessante é da editora Escala Educacional, que vem lançando clássicos na coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos e já conta com 12 obras de Machado de Assis, Lima Barreto, Aluísio de Azevedo e Manuel Antônio de Almeida, entre outros. No caso de O cortiço, "a idéia partiu de nós mesmos, quadrinhistas – mais especificamente do Francisco S. Vilachã, desenhista com quem trabalho há muito tempo. Amadurecemos a idéia a partir da adaptação de contos de Machado de Assis, que propusemos a várias editoras, e a Escala topou", informa Ronaldo Antonelli, responsável pelo roteiro. Com a editora, discutiram apenas os traços gerais da série e da obra. A adaptação de cada texto ficou inteiramente por conta deles. "Decidir o que fica e o que sai é uma questão de balancear o emprego de imagem – o recurso específico do meio quadrinhos – com a essência do texto. O mais difícil e o mais relevante: passar a linguagem do autor nas falas (balões) e nas legendas. É preciso resumir, sim – uma imposição do espaço e da linguagem –, mas mantendo o tom e o próprio vocabulário do autor", acrescenta.

Já no caso da adaptação de Memórias de um sargento de milícias, com roteiro de Índigo e arte de Bira Dantas, a idéia partiu da Escala Educacional. "Ofereceram-me Memórias de um sargento de Milícias. Foi um susto. Tinha me esquecido completamente da existência desse livro", lembra Índigo. "O grande valor de Memórias de um sargento de milícias está no fato de ter sido o primeiro romance urbano brasileiro. Na época ele veio como algo extremamente inovador. Em pleno período romântico (1853) o livro foi considerado revolucionário pela linguagem, caracterização dos personagens, pela ousadia e crítica social. Até então a sociedade não havia sido retratada com tanta crueza e naturalidade. Mas, ao contrário de Machado de Assis, ele ficou datado. A história é rocambolesca e ao mesmo tempo inocente para os padrões atuais. Achei que seria impossível tentar reproduzir o valor do livro original."

Sobre a adaptação, ela diz que recebeu duas diretrizes. A primeira, quanto ao número de páginas. A segunda era que todo o texto teria de ser pescado do original. "Antes de me aventurar em adaptações para HQ eu já havia feito duas de Julio Verne, uma de Alice no País das Maravilhas e Viagens de Gulliver, entre outros. Nesses casos eram adaptações de faixa etária. Usei o mesmo método de trabalho. Primeiro extraio o cerne da história. Separo. Depois, pego as histórias paralelas e destrincho uma a uma, selecionando o que elas têm de mais primoroso. Acrescento esses achados à história principal. Então vou começar a trabalhar em cima desse material selecionando o que vira imagem e o que vira texto. Sendo que dentro do texto vou pescar falas para diálogos e comentários que complementam a cena. É um trabalho extremamente técnico. O maior desafio é ter sensibilidade para, no meio de tantas machadadas, não matar a obra. O importante é dar um jeito de fazer tudo e ainda preservar a voz do autor", conta. E o que é mais difícil numa adaptação dessas? "Memórias de um sargento de milícias foi escrito no formato de folhetim de jornal durante o período de um ano. Isso permitiu a construção de uma narrativa novelesca. A história não segue numa única direção. O autor faz pausas e toma todo o tempo do mundo para se aprofundar na vida de personagens secundários. Num determinado caso, há uma longa digressão sobre o filho de um personagem secundário! Minha vontade era simplesmente limar essas histórias satélites e me concentrar na trama principal. No entanto, elas sempre continham algum fato pertinente, fatos que eu não conseguia descartar. Bem que tentei, mas daí a história principal perdia o sentido. Então eu tinha de voltar e reincorporar. Foi um duelo. Uma adaptação assim é um grande exercício de lógica. É preciso discernir onde estão os alicerces da história. Muito será demolido, mas no final, a história tem de parar em pé."

O mercado reaquecido nos leva à pergunta: Por que tantas adaptações de clássicos para quadrinhos? E por que agora? "Acho que o apelo visual facilita o interesse dos jovens de hoje, e as editoras estão investindo nesse mercado para vender para as escolas", afirma Fábio. Segundo Índigo, há duas razões para isso. "Primeiro, porque chegamos num momento de substituição da geração em poder. Hoje em dia os diretores de escola são aqueles caras que, quando criança, tinham de esconder gibis da professora. Finalmente superamos aquela discussão absurda quanto ao valor do HQ. Está mais do que comprovado que é uma forma literária." Ronaldo discorda: "Não acho que sejam tantas. Pense em tudo que já foi adaptado de literatura para o teatro, o cinema e a televisão. Os quadrinhos são mais uma linguagem ou, como querem alguns, uma arte, a nona arte. Há um mundo de literatura nacional e estrangeira à espera de adaptação para quadrinhos". Sobre o mercado para HQs, ele acrescenta que hoje vê o cenário "um pouquinho melhor que no passado, mas precisando melhorar muito ainda".

Índigo vai por outro caminho. "Na década de 80 e 90, HQ ainda era gibi, comprado em banca. Hoje HQ virou livro. Eu preferia a versão gibi, da época do Piratas do Tietê e Chiclete com Banana. Era uma delícia esperar a edição seguinte, ver as cartas dos leitores, acompanhar a criação ali, com vida, erros, o autor se expondo sem nenhum pudor. Eram quase como bons blogs, se existissem blogs então. Isso sem falar no papel jornal, que é muito mais charmoso que papel couché. Os álbuns que são lançados hoje em dia não têm vida. Quem é que lê uma seqüência de tiras? Não é assim que se lê HQ. Elas só funcionam em doses homeopáticas. Isso começou a mudar quando os bons gibis desapareceram. Acho que em meados dos anos 90."

E Fábio lembra das novas editoras: "Hoje, existe uma explosão de novas editoras, uma procura das editoras (novas e velhas) por autores nacionais e uma certa consolidação dos álbuns de quadrinhos nas livrarias, o que facilita o acesso a esses livros pelo público", cenário que começou a mudar de uns dois anos pra cá.

Os prêmios também ajudam. "Eles mostram ao público que você existe. As editoras, os jornais e as agências te vêem em evidência e te chamam pra trabalhar. Você faz mais entrevista, aparece mais e mais gente fica sabendo do seu trabalho. As pessoas ficam curiosas pra saber por que fomos premiados e vão atrás dos nossos livros, do nosso site", diz Fábio. Funcionam ainda como "estímulo para os artistas e um chacoalhão de mercado e de mídia", acredita Ronaldo. E ainda ajudam a legitimar a obra de um autor. "É como um selinho de qualidade que as pessoas levam em consideração. Dependendo do selinho, você está ou não na vitrine da livraria, será ou não convidado para eventos literários. Ele também atrai a atenção de jornalistas, que passam a prestar atenção no seu livro, podendo até resenhá-lo. Fora que alguns selinhos vêm acompanhados de uma boa grana", lembra Índigo.



Perguntados sobre o que levariam para os quadrinhos, Fábio se lembra de Shakespeare e Guimarães Rosa. Ronaldo, atualmente trabalhando junto com Vilachã na adaptação de O triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, que deve sair ainda este ano, adoraria adaptar contos e novelas de Guimarães Rosa – Corpo de baile, por exemplo. E Índigo, Crime e castigo. "Porque se eu tiver de fazer outra adaptação de clássicos na minha vida, não será por dinheiro. O dinheiro que se paga por esse tipo de trabalho não justifica a dor de cabeça. Então seria por devoção ao autor, e nesse caso é Dostoiévski."

Para o diretor da editora Conrad, Rogério de Campos, em matéria do site Cultura e Mercado, "os quadrinhos vivem o melhor momento de sua história, os números de venda, no mundo todo, nunca foram tão grandes". Ele acrescenta ainda que "nunca houve tamanha variedade, o público está cada vez mais diverso". Para o diretor da editora Devir, Douglas Quinta Reis, o mercado vive um bom momento. E, apesar do volume de vendas continuar semelhante, a quantidade de lançamentos registra um aumento de 15%, as editoras publicando quadrinhos também aumentam e a variedade de títulos e gêneros significa mais espaço para o autor nacional. Ainda na mesma matéria, porém, o cartunista Paulo Stocker, comenta que a realidade hoje é bem pior: "O Brasil é um país tosco em matéria de quadrinhos, as editoras pagam pouco porque existe muita oferta".






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